O lipedema e a hipermobilidade articular formam uma dupla muito mais comum do que se imagina. Muitas mulheres com lipedema se queixam de sintomas que parecem ir além do acúmulo de gordura. Elas relatam entorses frequentes, dores nas juntas, uma sensação de que as articulações são “frouxas” ou saem do lugar com facilidade. Se você se identifica com isso, saiba que não é imaginação sua.
Esses sintomas articulares não são uma mera coincidência. Na verdade, eles podem indicar a presença de uma segunda condição: a hipermobilidade articular, muitas vezes ligada à Síndrome de Ehlers-Danlos (SED). A ciência tem mostrado uma sobreposição significativa entre essas duas condições, e entender essa ligação pode mudar completamente a sua abordagem de tratamento.
Portanto, no artigo abaixo te explico essa importante conexão. Vamos ver o que é a hipermobilidade, por que ela está tão frequentemente associada ao lipedema e como essa informação pode te ajudar a ter um tratamento mais completo. Assim, você poderá cuidar do seu corpo de forma integral, aliviando não só os sintomas do lipedema, mas também as dores articulares.
O que é a hipermobilidade articular?
A hipermobilidade articular é uma condição em que as articulações se movem além da amplitude normal de movimento. Pessoas com hipermobilidade são frequentemente descritas como “flexíveis demais” ou “contorcionistas”. Embora para alguns isso não cause problemas, para muitos outros a condição vem acompanhada de dor crônica, instabilidade e maior risco de lesões.
Uma das principais causas da hipermobilidade patológica é a Síndrome de Ehlers-Danlos. Esta é uma desordem genética do tecido conjuntivo. A raiz do problema está em um defeito na produção ou na estrutura do colágeno. Pense no colágeno como a “cola” ou o “cimento” que dá sustentação e firmeza para a pele, ligamentos, tendões e vasos sanguíneos.
Quando o colágeno é defeituoso, essas estruturas se tornam mais frágeis e elásticas. Os ligamentos ficam “frouxos”, incapazes de estabilizar as articulações de forma adequada. Isso explica por que as entorses são tão frequentes e por que as dores articulares podem ser tão intensas, mesmo sem um trauma aparente.
O elo perdido entre lipedema e hipermobilidade
Aqui chegamos ao ponto central que conecta o lipedema e a hipermobilidade articular. Ambas as condições, embora se manifestem de formas diferentes, parecem compartilhar uma fragilidade no mesmo lugar: o tecido conjuntivo. O lipedema não é apenas uma doença da gordura, mas também afeta a matriz de tecido conjuntivo onde essa gordura se aloja.
Já a hipermobilidade, como vimos, é uma desordem primária do tecido conjuntivo, causada por um colágeno defeituoso. Portanto, a hipótese mais forte é que a mesma fragilidade genética no colágeno que causa a frouxidão dos ligamentos também pode predispor ao desenvolvimento de um tecido adiposo mais frágil, desorganizado e propenso à inflamação, como vemos no lipedema.
Dessa forma, as duas condições seriam manifestações diferentes de um mesmo problema de base. Isso explica por que é tão comum encontrar uma paciente que sofre tanto com o inchaço e a dor do lipedema quanto com a instabilidade e a dor das suas articulações. Não são dois problemas isolados, mas sim duas faces da mesma moeda.
O que a ciência mostra sobre essa conexão?
A observação clínica dessa sobreposição é fortemente respaldada por estudos científicos. Pesquisadores têm documentado uma prevalência de hipermobilidade articular muito maior em mulheres com lipedema do que na população geral. Isso confirma que a associação não é aleatória.
Um artigo de revisão muito importante, publicado por Beltran e Herbst em 2017 no periódico Phlebologie, discute detalhadamente as comorbidades associadas ao lipedema. O estudo destaca a hipermobilidade articular e a Síndrome de Ehlers-Danlos como achados frequentes, sugerindo a importância de investigar ativamente essa condição em pacientes com lipedema.
Essa evidência científica muda nossa prática. Ela nos mostra que, ao avaliar uma paciente com lipedema, não podemos olhar apenas para a gordura e o inchaço. Precisamos investigar o sistema musculoesquelético, perguntar sobre dores articulares e avaliar a estabilidade das juntas. A abordagem precisa ser integral.
Como saber se você tem hipermobilidade? O escore de Beighton
Embora o diagnóstico definitivo deva ser feito por um médico, existe uma ferramenta de triagem simples chamada Escore de Beighton. Ela pode te dar uma ideia se você possui hipermobilidade. Você pode fazer um teste rápido em casa (lembrando que isso não substitui uma consulta).
O teste consiste em 5 manobras, valendo até 9 pontos:
- Consegue dobrar o dedo mínimo para trás a mais de 90 graus? (1 ponto para cada mão)
- Consegue encostar o polegar no seu antebraço? (1 ponto para cada mão)
- Seu cotovelo estica para trás além do normal (hiperextensão)? (1 ponto para cada braço)
- Seu joelho dobra para trás além do normal (hiperextensão)? (1 ponto para cada perna)
- Consegue colocar as palmas das mãos no chão sem dobrar os joelhos? (1 ponto)
Uma pontuação de 5 ou mais geralmente sugere a presença de hipermobilidade generalizada. Se você pontuou, é um sinal importante para conversar com seu médico.
Implicações no tratamento: por que saber disso muda tudo
Saber que você tem lipedema e hipermobilidade articular muda completamente a estratégia de tratamento. Se suas articulações são naturalmente instáveis, certos exercícios de alto impacto (como corrida ou saltos) podem ser mais prejudiciais do que benéficos, aumentando o risco de lesões.
O foco do tratamento físico muda. A prioridade se torna o fortalecimento muscular. Músculos fortes ao redor das articulações (joelhos, quadris, tornozelos) funcionam como um “esqueleto externo”. Eles ajudam a estabilizar as juntas, compensando a frouxidão dos ligamentos. Exercícios de baixo impacto, como musculação com carga controlada, pilates e hidroginástica, tornam-se essenciais.
Além disso, o acompanhamento com um fisioterapeuta que entenda de hipermobilidade é fundamental. Ele poderá te ensinar a forma correta de se mover, a fortalecer a musculatura estabilizadora e a proteger suas articulações no dia a dia. Saber da hipermobilidade nos permite criar um plano de tratamento muito mais seguro e eficaz para você.
Melhore sua qualidade de vida
Espero que este artigo tenha esclarecido a importante conexão entre o lipedema e a hipermobilidade articular. Se você convive com dores nas juntas, entorses fáceis e uma sensação de instabilidade, saiba que isso não é “normal” nem “frescura”. Pode ser um sinal claro de que seu tecido conjuntivo precisa de uma atenção especial.
Entender essa ligação te liberta do ciclo de dor e lesões sem explicação. Ela te dá o conhecimento para buscar os profissionais certos e para adotar uma estratégia de tratamento que respeite as particularidades do seu corpo. Cuidar dos seus músculos para proteger suas articulações é uma parte fundamental do seu bem-estar.
Se você se identificou com os sintomas descritos e deseja uma avaliação completa, que considere tanto seu lipedema quanto sua saúde articular, procure ajuda especializada. Agende uma consulta para que possamos investigar seu caso a fundo e traçar o melhor plano de tratamento para você.
