O resultado de um exame de lipedema, ou melhor, os exames gerais de uma paciente com lipedema, são uma das maiores fontes de confusão e frustração. Você olha para suas pernas, sente a dor, o peso, o inchaço.
Em seguida, você olha para seus exames de sangue. E, para sua surpresa (e de muitos médicos), a glicose está normal, o colesterol está controlado e não há sinais de alterações.
Essa aparente contradição é extremamente comum. Ela leva muitas mulheres a duvidarem de si mesmas ou, pior, a serem invalidadas por profissionais de saúde que não compreendem a fundo a doença. “Se seus exames estão bons, não deve ser nada grave”, elas ouvem. Essa afirmação, no entanto, ignora a complexa fisiologia do lipedema.
Portanto, quero usar este artigo para esclarecer de vez este paradoxo. Vamos entender por que seu perfil metabólico pode parecer saudável, mesmo com o lipedema avançando. E, mais importante, por que essa “proteção” pode não durar para sempre. Este conhecimento é fundamental para um tratamento proativo e preventivo.
A chave do mistério: gordura subcutânea vs. gordura visceral
A principal razão pela qual seus exames podem estar normais está na diferença entre os tipos de gordura do nosso corpo. O lipedema é uma doença caracterizada pelo acúmulo desproporcional de gordura subcutânea. Em contrapartida, a gordura mais perigosa para a saúde metabólica é a gordura visceral.
Entender a diferença entre elas é o primeiro passo para decifrar o paradoxo.
- Gordura subcutânea:
- Localização: fica logo abaixo da pele, é a gordura que podemos “pegar”.
- Característica no lipedema: é onde o lipedema se manifesta, acumulando-se em pernas, quadris e braços.
- Impacto metabólico: é considerada menos inflamatória e menos associada a doenças como diabetes tipo 2 e problemas cardíacos, pelo menos inicialmente.
- Gordura visceral:
- Localização: fica na cavidade abdominal, ao redor de órgãos vitais como o fígado e o pâncreas.
- Característica: é metabolicamente muito ativa e produz uma grande quantidade de substâncias inflamatórias.
- Impacto metabólico: é a principal responsável pelo desenvolvimento de resistência à insulina, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.
O lipedema, essencialmente, é uma doença da gordura subcutânea. Por isso, um exame de lipedema focado no perfil metabólico pode não mostrar alterações graves no início.
A “proteção” metabólica inicial no lipedema
Como a gordura do lipedema é subcutânea, ela não impacta o metabolismo da mesma forma agressiva que a gordura visceral. Na verdade, a ciência sugere que, até certo ponto, a gordura subcutânea nos quadris e pernas pode ter um papel “protetor”. Ela funciona como um local mais seguro para armazenar energia, longe dos órgãos vitais.
É por essa razão que muitas mulheres com lipedema “puro”, ou seja, sem a coexistência de obesidade generalizada, mantêm uma sensibilidade à insulina normal. O corpo consegue gerenciar a glicose de forma eficiente. O pâncreas não fica sobrecarregado. E os exames de sangue refletem essa aparente normalidade.
Essa “proteção”, no entanto, não significa que o lipedema seja inofensivo. A inflamação, a dor, o inchaço e a progressão da doença são reais e precisam de tratamento. A normalidade nos exames se refere apenas a um aspecto da sua saúde, o metabólico, que pode mudar com o tempo.
O que a ciência mostra sobre o perfil metabólico no lipedema?
A observação clínica de que pacientes com lipedema podem ter um perfil metabólico favorável é confirmada pela literatura científica. Vários estudos que analisam populações de mulheres com lipedema encontram resultados de glicose e insulina dentro da normalidade, especialmente nos estágios iniciais e em pacientes sem obesidade severa associada.
Um artigo de revisão publicado na Revista de Medicina da USP em 2021, intitulado “Lipedema: a clinical challenge”, discute as diversas facetas da doença. O estudo menciona exatamente este ponto: o lipedema é uma condição distinta da obesidade, e as comorbidades metabólicas, como o diabetes, não são tão prevalentes quanto se poderia esperar pelo volume de gordura.
Isso valida a sua experiência. Seus exames bons não significam que você não tem lipedema. Eles apenas confirmam que, até o momento, a doença está se comportando da maneira esperada para a sua fisiopatologia, com o acúmulo de gordura predominantemente subcutânea. Nenhum exame de lipedema isolado conta a história toda.
Por que a saúde metabólica pode mudar?
A grande questão é: essa proteção dura para sempre? A resposta é não. Existem dois fatores principais que podem funcionar como um “ponto de virada”, fazendo com que seus exames comecem a se alterar no futuro.
O primeiro fator é o desenvolvimento de obesidade generalizada. Se, além do lipedema, você ganhar peso de forma global devido a um estilo de vida inadequado, começará a acumular também a perigosa gordura visceral. É nesse momento que a proteção se perde. A gordura visceral passará a gerar inflamação sistêmica e resistência à insulina, alterando seus exames.
O segundo fator é a progressão da própria doença. Com o passar dos anos, a inflamação crônica e o desenvolvimento de fibrose no tecido do lipedema podem tornar a gordura subcutânea mais “doente” e disfuncional. Alguns estudos mais recentes sugerem que, em estágios avançados, o próprio tecido do lipedema pode começar a contribuir negativamente para a saúde metabólica sistêmica.
O que monitorar nos seus exames futuros
Por isso, uma postura proativa é fundamental. Não podemos esperar os exames se alterarem para começar a agir. Além dos exames básicos, peço sempre uma investigação mais aprofundada para minhas pacientes, monitorando sinais precoces de mudança.
Em vez de olhar apenas para a glicose de jejum, é importante dosar a insulina de jejum. A relação entre as duas nos dá o Índice HOMA-IR, um marcador precoce de resistência à insulina. Muitas vezes, a insulina já está subindo anos antes de a glicose se alterar.
Outros marcadores importantes a serem acompanhados são a hemoglobina glicada (que mostra a média do seu açúcar nos últimos 3 meses) e a Proteína C-reativa ultrassensível (um marcador de inflamação no corpo). Monitorar esses indicadores em um exame de lipedema mais completo nos permite agir antes que o problema se instale.
Fique atenta a sua saúde
Espero que este artigo tenha esclarecido o aparente paradoxo dos seus exames. Ter resultados normais agora não significa que sua dor e seus sintomas não são reais. Apenas reflete a natureza subcutânea da gordura do lipedema. Isso valida sua condição, não a nega.
Contudo, essa normalidade não deve ser vista como um sinal de que está tudo bem. Ela deve ser encarada como uma janela de oportunidade para a prevenção. Cuidar do seu estilo de vida hoje, com uma alimentação anti-inflamatória e exercícios regulares, é a melhor forma de garantir que seus exames permaneçam bons no futuro.
Se você se sente confusa com seus sintomas e seus exames, e busca uma abordagem que olhe para você de forma integral e proativa, procure ajuda. Agende uma consulta comigo pelo botão abaixo, para que possamos entender seu caso a fundo e traçar a melhor estratégia de tratamento e prevenção para sua saúde. O objetivo é garantir sua qualidade de vida, hoje e sempre.
