Como explicar o lipedema para sua família e amigos (e ser levada a sério)

Saber como explicar o lipedema para as pessoas que você ama é, muitas vezes, tão desafiador quanto lidar com os sintomas físicos da doença. 

Eu vejo no meu consultório a angústia de mulheres que, além de conviverem com a dor e o inchaço, carregam o peso da incompreensão, dos olhares de julgamento e dos conselhos bem-intencionados, mas completamente equivocados.

A ferida emocional de não ser levada a sério pode ser tão dolorosa quanto os hematomas que surgem nas pernas. Comentários como “é só fechar a boca” ou “você precisa se exercitar mais” vêm carregados de um estigma que ignora a complexidade de uma doença crônica. Essa falta de validação pode levar ao isolamento e a um sofrimento silencioso.

Por isso, preparei este artigo. Ele não é apenas um texto informativo. É um guia prático, um roteiro para te dar a confiança e as ferramentas necessárias para ter essa conversa tão importante. Meu objetivo é te ajudar a transformar a desinformação em apoio e a incompreensão em empatia.

Por que é tão difícil ser compreendida?

A principal barreira para a compreensão é que o lipedema, visualmente, se assemelha muito à obesidade comum. Nossa sociedade foi condicionada a associar o acúmulo de gordura diretamente à falta de disciplina, ou seja, a comer demais e se mover de menos. Quebrar essa associação automática na mente das pessoas é o nosso primeiro e maior desafio.

Além disso, o lipedema ainda é uma doença pouco conhecida, inclusive por muitos profissionais de saúde. Se até mesmo médicos têm dificuldade em diagnosticá-lo, como podemos esperar que nossos familiares e amigos entendam sua complexidade de imediato? A falta de conhecimento geral cria um vácuo que é, infelizmente, preenchido por preconceitos e informações erradas.

Finalmente, há o fato de que muitos dos piores sintomas são invisíveis. A dor crônica, a sensibilidade ao toque, a fadiga e o peso constante nas pernas não são aparentes para quem olha de fora. 

A pessoa vê apenas pernas mais grossas, mas não tem dimensão do desconforto físico e do impacto que isso tem na sua vida diária.

O impacto emocional da incompreensão

O impacto dessa falta de apoio vai muito além da frustração. Ele afeta diretamente a saúde mental. A ciência já comprovou o peso emocional que o lipedema carrega. Uma importante revisão sistemática de estudos, publicada no periódico BMJ Open em 2020, analisou a qualidade de vida de pacientes com lipedema e os resultados são reveladores.

O estudo compilou dados que mostram taxas significativamente mais altas de depressão, ansiedade e distúrbios alimentares entre as mulheres com lipedema. Além disso, a pesquisa destacou o profundo impacto negativo na imagem corporal e no funcionamento social, levando muitas vezes ao isolamento. A incompreensão do círculo social é um fator de estresse crônico que, comprovadamente, pode piorar a inflamação e os sintomas físicos da doença.

Portanto, buscar a compreensão das pessoas ao seu redor não é um capricho. É uma necessidade para o seu tratamento e para a sua saúde mental. Saber como explicar o lipedema é, também, uma forma de autocuidado.

3 passos antes da conversa

Antes de iniciar a conversa, uma boa preparação pode fazer toda a diferença. Agir por impulso, em um momento de raiva ou frustração, raramente leva a um bom resultado. Sugiro que você siga três passos simples para criar um ambiente mais propício ao diálogo.

Primeiro

Escolha o momento e o lugar certos. Evite horários de estresse, como o fim de um dia cansativo ou durante uma refeição em família. Chame a pessoa para conversar em um local calmo e privado, onde vocês não sejam interrompidos. Diga algo como: “Gostaria de conversar com você sobre um assunto de saúde importante para mim. Podemos reservar um tempo só para nós?”.

Segundo

Gerencie suas próprias expectativas. Lembre-se que a outra pessoa pode não entender tudo de primeira. O objetivo inicial é plantar uma semente de informação, não necessariamente obter aceitação total e imediata. 

Terceiro

Por fim, defina o que você precisa daquela pessoa. Você quer apenas ser ouvida? Precisa de ajuda prática? Quer que ela pare de fazer certos comentários? Ter clareza sobre seu objetivo te ajudará a guiar a conversa.

Um roteiro para explicar o lipedema

Quando chegar a hora da conversa, ter uma estrutura em mente pode te dar mais segurança. Aqui está um roteiro simples e direto para te ajudar.

  • Comece com uma definição clara e pessoal.
    • O que dizer: “Eu preciso te contar sobre uma condição de saúde que eu tenho, chamada lipedema. É uma doença crônica do tecido gorduroso, de origem genética e hormonal. É importante para mim que você saiba que não é minha culpa e não tem a ver com desleixo.”
  • Diferencie de obesidade e gordura comum.
    • O que dizer: “A principal diferença é que a gordura do lipedema é ‘doente’. Ela é inflamada, dolorida e não responde da mesma forma a dietas e exercícios como a gordura comum. É por isso que, mesmo quando eu perco peso em outras partes do corpo, minhas pernas mudam muito pouco.”
  • Fale sobre os sintomas invisíveis.
    • O que dizer: “Além da aparência, essa condição me causa muita dor ao toque, uma sensação constante de peso e faz com que eu tenha hematomas com muita facilidade, mesmo sem bater em nada.”
  • Ofereça material de apoio.
    • O que dizer: “Eu sei que é muita informação. Se você quiser entender melhor, posso te mandar um artigo que meu médico escreveu que explica tudo direitinho.” (Neste ponto, você pode compartilhar links para artigos de base do meu blog ou mesmo posts do meu perfil do Instagram).

Lidando com reações comuns e comentários indesejados

Mesmo com a melhor explicação, você pode encontrar resistência. É importante estar preparada para lidar com os comentários mais comuns de forma calma e assertiva.

Se a pessoa disser: “Mas é só emagrecer!” ou “Você já tentou a dieta X?”.

  • Sua resposta pode ser: “Eu entendo por que parece ser uma solução simples. Eu mesma já tentei de tudo. Mas a ciência já mostrou que essa gordura é diferente e resistente a dietas. Meu tratamento, orientado pelo meu médico, foca em desinflamar o corpo, o que é muito mais complexo.”

Se a pessoa disser: “Mas você não parece doente.” ou “Eu também tenho celulite.”.

  • Sua resposta pode ser: “Agradeço o elogio, mas por dentro eu sinto muita dor e desconforto diário. O lipedema é uma condição médica, enquanto a celulite é uma questão estética. A principal diferença é a dor crônica que o lipedema causa.”

Respondendo às dúvidas da família

  • O lipedema tem cura?
    Atualmente, o lipedema não tem uma cura definitiva, mas tem controle. Com o tratamento correto, podemos controlar os sintomas, aliviar a dor, e o mais importante, impedir a progressão da doença para estágios mais avançados.
  • O que nós podemos fazer para te ajudar?
    Essa é a melhor pergunta que você pode ouvir! A resposta pode ser: “Obrigada por perguntar. O mais importante para mim é sua compreensão e apoio emocional. Evitar comentários sobre meu corpo ou alimentação já ajuda imensamente. E, se possível, ter sua companhia em uma caminhada leve ou me ajudar a preparar uma refeição saudável seria incrível.”
  • Esse tratamento que você faz funciona mesmo?
    Sim. O tratamento do lipedema é multifatorial e focado na melhora da qualidade de vida. Ele envolve dieta anti-inflamatória, exercícios adaptados, terapias de compressão e, às vezes, medicamentos. Cada passo ajuda a controlar a inflamação e a dor, e os resultados são uma melhora significativa no bem-estar, mesmo que a aparência não mude da noite para o dia.

Tenha apoio no seu tratamento

Saber como explicar o lipedema é uma parte essencial do seu tratamento. Lembre-se que você tem direito a ser ouvida, respeitada e apoiada. Armar-se com informações claras e uma estratégia de comunicação pode transformar o ceticismo em empatia e o isolamento em uma forte rede de apoio.

O objetivo dessa conversa não é vencer uma discussão, mas sim construir pontes de entendimento. Pode ser que algumas pessoas demorem mais para entender, e tudo bem. O passo mais importante é você se sentir segura e validada na sua própria experiência, sabendo que você está no caminho certo.

Mas se você se sente sozinha e incompreendida na sua condição, saiba que o consultório médico também deve ser um espaço de acolhimento. Estou aqui não apenas para te oferecer o melhor tratamento clínico, mas também para te dar o suporte e a validação que você merece. Agende uma consulta comigo pelo botão abaixo e vamos cuidar da sua saúde de forma integral.